Julio e Rodrigo estavam em dúvida se atravessavam o famoso deserto do Rio Grande do Sul. Nunca colocaram os pés naquelas paragens. Ouviram falar. E só. O deserto ficava no centro-oeste do Estado. Não era habitado, e pouca ou quase nenhuma água havia. Dando sorte poderiam encontrar um poço d’água. Com azar a água que levariam acabaria antes do previsto e sem encontrar os tais poços morreriam de sede. Chuva, seria milagre. E milagres não costumam acontecer à toda hora.
Na noite da partida Julio checou a água e os mantimentos, Rodrigo os cigarros.
- Caralho Rodrigo, eu preocupado com a água e a comida e tu com os cigarros!
- Morro de sede mas não morro sem degustar um último cigarrinho - retrucou Rodrigo.
- Tá legal, enfia esses cigarros na bunda e vamos embora.
Os dois se foram. O dia mal surgia no horinzonte como uma suave camada de luminozidade e os dois já sentiam o calor. Rodrigo praguejou pela primeira vez durante o caminho e acendeu um cigarro. Deixou a fumaça encher os pulmões e ao soltá-la sorriu sozinho.
- Cacete, esse lugar deve ser o inferno! - disse Rodrigo.
- Ainda não estamos bem no deserto - disse Julio.
Os dois continuaram. Dois dias depois estavam em pleno deserto gaúcho. O inferno. Rodrigo bebia como um desesperado. Julio tentava controlar-se. O sol ardia. Nada no horizonte, nada por ali. Uma vastidão de nada. Apenas sol e areia. Os dois descansavam à noite. Exaustos. O céu pintado de estrelas. Muito claro.
Quatro dias e Rodrigo bebeu o último gole d’água. Cigarros restavam oito.
- Temos que achar um poço - disse Julio num tom sombrio.
- Caralho, nunca devíamos ter vindo! - praguejou Rodrigo. - Estou quase sem cigarros.
- Estamos sem água - disse Julio.
Os dois continuaram. Sem água e com sete cigarros. O sol queimava, o calor sufocava. Nada de poços d’água. Nada de chuvas. Nada de milagres. Rodrigo fumou outro cigarro. Mais alguns dias e os dois arrastavam-se. Na boca seca surgiam feridas. Julio teve alucinações. Primeiro grandes dragões que cuspiam fogo e riam, depois montanhas de carros velhos retorcidos que criavam vida. Nada de água. Nada de poços.
- Vamos morrer - disse Julio num fio de voz.
- Não deveríamos ter vindo! Merda de deserto gaúcho, e eu nem sabia que isso existia.
- Preciso beber, preciso beber um pouco de água! - exclamou Julio.
- E se mudássemos de direção? Dever haver um poço d’água em algum lugar dessa merda.
- Amanhã vamos para leste - murmurou Julio.
E os dois juntaram forças e foram. Olhavam para o céu, um monte de nuvens sádicas estavam lá. Não choveu uma gota.
- Não posso mais - disse Rodrigo.
- Temos que andar. Vamos encontrar o maldito poço.
- Estamos mortos! Estamos mortos! - disse Rodrigo, logo após tirou um cigarro do bolso, acendeu e deu uma profunda tragada. Era o último cigarro.