segunda-feira, 6 de setembro de 2010

O ÚLTIMO CIGARRO NO DESERTO GAÚCHO

Julio e Rodrigo estavam em dúvida se atravessavam o famoso deserto do Rio Grande do Sul. Nunca colocaram os pés naquelas paragens. Ouviram falar. E só. O deserto ficava no centro-oeste do Estado. Não era habitado, e pouca ou quase nenhuma água havia. Dando sorte poderiam encontrar um poço d’água. Com azar a água que levariam acabaria antes do previsto e sem encontrar os tais poços morreriam de sede. Chuva, seria milagre. E milagres não costumam acontecer à toda hora.

Na noite da partida Julio checou a água e os mantimentos, Rodrigo os cigarros.
- Caralho Rodrigo, eu preocupado com a água e a comida e tu com os cigarros!
- Morro de sede mas não morro sem degustar um último cigarrinho - retrucou Rodrigo.
- Tá legal, enfia esses cigarros na bunda e vamos embora.
Os dois se foram. O dia mal surgia no horinzonte como uma suave camada de luminozidade e os dois já sentiam o calor. Rodrigo praguejou pela primeira vez durante o caminho e acendeu um cigarro. Deixou a fumaça encher os pulmões e ao soltá-la sorriu sozinho.
- Cacete, esse lugar deve ser o inferno! - disse Rodrigo.
- Ainda não estamos bem no deserto - disse Julio.
Os dois continuaram. Dois dias depois estavam em pleno deserto gaúcho. O inferno. Rodrigo bebia como um desesperado. Julio tentava controlar-se. O sol ardia. Nada no horizonte, nada por ali. Uma vastidão de nada. Apenas sol e areia. Os dois descansavam à noite. Exaustos. O céu pintado de estrelas. Muito claro.
Quatro dias e Rodrigo bebeu o último gole d’água. Cigarros restavam oito.
- Temos que achar um poço - disse Julio num tom sombrio.
- Caralho, nunca devíamos ter vindo! - praguejou Rodrigo. - Estou quase sem cigarros.
- Estamos sem água - disse Julio.
Os dois continuaram. Sem água e com sete cigarros. O sol queimava, o calor sufocava. Nada de poços d’água. Nada de chuvas. Nada de milagres. Rodrigo fumou outro cigarro. Mais alguns dias e os dois arrastavam-se. Na boca seca surgiam feridas. Julio teve alucinações. Primeiro grandes dragões que cuspiam fogo e riam, depois montanhas de carros velhos retorcidos que criavam vida. Nada de água. Nada de poços.
- Vamos morrer - disse Julio num fio de voz.
- Não deveríamos ter vindo! Merda de deserto gaúcho, e eu nem sabia que isso existia.
- Preciso beber, preciso beber um pouco de água! - exclamou Julio.
- E se mudássemos de direção? Dever haver um poço d’água em algum lugar dessa merda.
- Amanhã vamos para leste - murmurou Julio.
E os dois juntaram forças e foram. Olhavam para o céu, um monte de nuvens sádicas estavam lá. Não choveu uma gota.
- Não posso mais - disse Rodrigo.
- Temos que andar. Vamos encontrar o maldito poço.
- Estamos mortos! Estamos mortos! - disse Rodrigo, logo após tirou um cigarro do bolso, acendeu e deu uma profunda tragada. Era o último cigarro.

2 comentários:

  1. Olá Wiskow.
    Lendo seu blog, que encntrei na lista do Blogbooks, achei esse texto seu curiosamente parecido com um texto meu.
    São totalmente diferentes, mas guardam certa semelhança de fundo.
    Veja só:
    http://streichspielen.blogspot.com/2009/11/blog-post_22.html

    Abraço!
    Ygor.

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