sábado, 5 de fevereiro de 2011

MORANGOS E UVAS

Está bem, não adianta me perguntar. Simplesmente eu não sei o motivo, mas alguns textos, alguns que escrevi eu continuo gostando. Sinceramente acho que são menos que a quantia dos dedos da mão. Mas alguns, alguns eu encontro por aí e tenho uma simpatia, carinho até. Entre eles está Morangos e Uvas. Encontrei e bateu a vontade de postá-lo no Cavalos. Talvez pela centéssima vez. Não importa. Leia quem quer.

MORANGOS E UVAS

Vendi o porco, e Clara deu graças à Deus. Pudera, já estava na hora de eu dar uma boa notícia para Clara. Ela estendia algumas roupas no pequeno varal quando cheguei com um sorriso no rosto. O porco, além de feder, fazia uma sujeira desagraçada, juntava moscas e continuava magro.

Jamais conseguiríamos engordar aquele animal nojento. Clara lavou roupas como uma condenada e acabou ganhando o porco como pagamento. O negócio não era esse. Clara lavava roupas por dinheiro, e não por porcos, mas uma cliente não tinha como pagar e ofereceu o porco. Clara aceitou. Morena das boas, cativante e bonita. Percebi logo quando a vi pela primeira vez, sentada enquanto bebericava uma cerveja com outras duas mulheres. Uma delas era Sueli. Sueli ajudou, tive que pagar algumas cervejas e uma porção de batatas fritas. Sueli nos apresentou e no meio da noite eu senti os lábios e a língua de Clara. Esqueci Juliana. Não sou culpado.

Dois meses de tentativas frustradas e ninguém queria comprar o animal. Pequeno, feio e magro. Clara já se arrependera de ter aceito o porco como pagamento, pensara que conseguiria vendê-lo facilmente. Coisa que não aconteceu. Estávamos apertados, precisando de dinheiro, e então Clara aceitou o animal. Ofereceu-o para todos, colou na parede do armazém um pequeno cartaz que ela mesma fez, caprichando na propaganda. Disse-me para oferecer o porco aos meus amigos e conhecidos, para vendê-lo. Não agüentávamos mais aquele animal, e o dinheiro da venda seria bem-vindo.

Era triste ver Clara debruçada sobre o tanque, com montes de roupas encardidas e velhas para lavar. Roupas que vestiam pessoas que mal conhecíamos e que faziam o corpo de Clara doer. Terminava com dor nas costas, descadeirada, e mesmo assim sorria fácil.

Foi num sábado ensolarado que não agüentei mais, acordei ao lado de Clara, decidido a vender aquele porco. Aquela bosta de porco feio. Passaríamos a noite bebendo vinho, comendo saborosos quitutes, morangos e uvas... Eu venderia aquele porco para agradar Clara.

Levantei da cama cedo, tomando cuidado para não despertar Clara. Bebi uma xícara de café preto e saí para pegar o porco a fim de tentar vendê-lo. A manhã estava fresca e agradável, o sol brilhava prometendo um belo dia. Fui ao pequeno chiqueiro improvisado ao lado da casa, encontrei o animal fuchicando tranqüilamente com o focinho uma melancia cortada ao meio. Algumas moscas voavam ao redor, pousavam sobre a melancia e sobre a cabeça do porco. Corri atrás do animal que se esgueirava rente ao cercado até conseguir pegá-lo. Ajeitei-o com algum esforço dentro de uma caixa de madeira, o porco equilibrava-se, escorregava levemente para os lados com os olhos assustados.

Amarrei com uma corda a caixa sobre a traseira de uma velha camioneta emprestada por um amigo, entrei, dei a partida e pus-me a rodar pelo bairro. Sem saber ao certo para onde ir, fiquei algum tempo zanzando com o porco pelo bairro, a camioneta tremia, batia, parecia que iria se despedaçar a qualquer momento. Passei por uma turma de homens que conversavam em frente a um bar, parei e ofereci o porco. Mostrei o animal que adquiria um aspecto cada vez pior, a camioneta torrava por causa do calor que aumentava. O sol brilhava como uma bola de fogo louca e forte. O porco parecia tonto, com olhar morto ele fitáva-nos, baixava a cabeça e raspava o nojento fochinho no chão da pequena caixa de madeira. Logo ele estaria com sede, talvez já estivesse. “Ninguém comprará esse animal horrível”, pensei ao observá-lo. Os homens olharam-me com desconfiança e curiosidade, analizaram o porco e fizeram piadas a respeito do animal. Baixei o preço, limpei o suor que brotava em minha fonte, cuspi. De repente um velho que ouvia nossa conversa enquanto pitava um cigarro de palha aproximou-se vagarosamente. Olhou o porco, fucinho nojento, orelhas caídas, patas de besta... e fez uma oferta pelo animal. Fechei negócio, peguei o dinheiro e o velho levou o porco.

“Vendi o porco”, cheguei anunciando para Clara. Ela sorriu de satisfação, já no tanque. “Essa noite é nossa”, prometi enquanto a abraçava com ternura. Comprei o vinho, morangos e uvas para Clara.

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